Há exatamente um ano iniciávamos 2010, ainda aturdidos pela ressaca da COP15 – a reunião das partes signatárias da Conferência do Clima, da ONU. Depois da mobilização sem precedentes - que em apenas quatro meses levantou um abaixo assinado global com 18 milhões de assinaturas e realizou milhares de eventos por todo planeta, galvanizando a opinião pública mundial e culminando com a marcha de cem mil pessoas pelas geladas ruas de Copenhague – a sensação geral era de frustração. Apesar de toda pressão e das altas expectativas, os chefes de Estado e o Governo lá reunidos não conseguiram produzir sequer um arremedo do urgente acordo climático justo, ambicioso e comprometido que o mundo demandava (e ainda demanda).
Uma sombra de desapontamento obscurecia fatos memoráveis: uma rede mundial e multifacetada da sociedade civil se ampliara e fortalecera. Novos aprendizados e instrumentos de mobilização e articulação foram criados. Poderosos agentes, como empresas globais e governos sub-nacionais, haviam avançado compromissos com propostas concretas e efetivos planos de ação. A questão do clima definitivamente deixava de ser assunto só de cientistas e ambientalistas.
Apesar desses grandes sucessos, a sensação final era de fracasso.
Já em 2010, há menos de um mês, a COP16 deixou um sabor de conquista apesar de ter sido uma reunião pautada por baixas expectativas, com parca mobilização da sociedade civil, escassa presença de lideranças mundiais e pouca cobertura da mídia. Sabor estranho, se considerarmos que – objetivamente – os avanços obtidos foram modestos, quase nulos. A sensação de vitória em Cancun na população em geral vem essencialmente da reversão das expectativas negativas: não foi tão ruim, parou de piorar... O pessimismo foi estancado, e agora podemos de novo olhar pra frente.
Numa aparente paradoxo, a reunião das grandes conquistas terminou marcada pela frustração, enquanto a outra, modesta, se inscreve como vitória. Isso, em grande parte, devido ao descompasso entre expectativas e resultados.
Em 2010, outro acontecimento foi exemplar quanto ao papel das expectativas: o caso dos “33 mineiros do Chile”. A meu ver, o mais crucial ensinamento dessa história – o que de fato definiu o seu lugar nos corações e mentes de milhões de pessoas em todo o mundo – não veio da solidariedade, da disciplina e da capacidade técnica que permitiram a saúde física e mental dos soterrados e o final feliz de seu cinematográfico resgate. A chave de tudo foi a brilhante gestão das expectativas, desde o começo.
Lembro muito bem: em 05 de agosto ocorreu o desabamento. Uma semana depois, o ministro chileno avisa que “são escassas as chances de encontrar alguém com vida”. Após mais dez dias, uma boa surpresa: os 33 estão vivos, mas presos a 700 metros de profundidade. Em 23 de Agosto, numa tacada decisiva, o presidente chileno define as expectativas: “se tudo der certo, eles voltarão para casa apenas no Natal.” Será um trabalho longo, difícil e arriscado. A promessa é de mais quatro meses de espera, trabalho e agonia. O resto todo mundo sabe: dia 13 de Outubro, em “apenas” 69 dias o resgate termina, coberto pela mídia global como se fosse a chegada de astronautas a Marte. Ninguém reclama do “erro” de quase dois meses (para mais) nas expectativas iniciais.
E se tivesse sido o contrário? E se na ânsia de dar boas notícias o presidente chileno tivesse dito algo como “em algumas semanas, no máximo dois meses, sacaremos os 33 da mina”? O mesmo resgate provavelmente seria lembrado de modo bem pior: “deu certo, apesar do atraso de duas semanas...”, diriam os jornais. A chave do sucesso foi jogar lá embaixo as expectativas iniciais. A partir disso, todas as notícias soaram melhores.
Hoje tomou posse a presidenta Dilma Roussef. No campo da sustentabilidade, as expectativas giram em torno de PACs , pré-sal, grandes obras... enfim, desenvolvimentismo à moda antiga. Ficaremos felizes se não for tão ruim quanto se imaginava? Ou devemos seguir mantendo altas nossas expectativas, lutando pelo que achamos certo e necessário?
Essas perguntas lembram que a fórmula mágica da redução de expectativas traz em si a armadilha do imobilismo, do conformismo. Levada ao extremo, a receita do sucesso e da felicidade seria não esperar nada, para depois se contentar com pouco. Triste cenário, sem paixão nem progresso. Por outro lado, esperar ou prometer demais geralmente é um caminho para a frustração. E agora?
Uma primeira consideração é quanto à razão pela qual queremos definir expectativas. Uma coisa é administrá-las num contexto de comunicação, de negócios ou campanhas, em que elas são, antes de tudo, um instrumento de gestão. Neste caso, a dosagem pode e deve ser definida em função dos objetivos a serem alcançados e outras considerações pragmáticas, sempre com o devido cuidado para se evitar a manipulação das esperanças alheias.
É quanto às esperanças próprias minha segunda consideração. Nesse caso, o único jeito é sermos fiéis a nós mesmos. A razão pode nos ajudar a lidar com a realidade, mas, no fundo, nossas expectativas são reflexos de nossos sonhos, se alimentam de nossos desejos. E são estes que nos guiam, que nos fazem progredir e prosperar, com emoção, garra, determinação e criatividade. São o que nos move, o que não deve ser castrado nem pode ser sufocado. E que, em termos de sustentabilidade, nos coloca o desafio de aprendermos, cada vez mais, a desejar o desejável.
Pensando nisso, lembro a famosa oração em que pedimos “serenidade para aceitar as coisas que não podemos mudar, coragem para mudar as que podemos, e sabedoria para distinguirmos umas das outras” e, acrescento eu, a capacidade de termos sonhos que inspirem nossas vidas, tornando-as significativas, férteis e sustentáveis!
Avancemos, pois, com os pés no chão, a cabeça no lugar e o coração nas nuvens.
Que 2011 seja um ano de sonhos e realizações!!!
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Permitida a reprodução, desde que citada a fonte: Aron Belinky ( aron@ecopress.org.br)